Ana Cristina Melo
escritora

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Clássicos da Literatura Brasileira: você ama ou odeia?

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Vocês devem ter visto a notícia sobre a resenha empolgada de Courtney Henning Novak, uma influenciadora americana, postada em sua conta do Tiktok, sobre o livro que estava lendo, no projeto “Read Around the World” (ela decidiu ler um livro clássico de cada país do mundo, em ordem alfabética). Para o Brazil, ela escolheu The Posthumous Memoirs of Brás Cubas. Isso mesmo, o nosso “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Resultado: o livro está em 1° lugar na lista de mais vendidos da Amazon.com, na categoria “Literatura da América Latina e do Caribe”. Courtney contou que ainda faltavam 100 páginas, mas o livro já era o seu preferido, e certamente iria ler outros títulos de Machado e mais literatura brasileira.

A edição escolhida por Courtney foi da Penguin Classics, com tradução da Flora Thomson-DeVeaux. Ela é americana, mas mora no Rio de Janeiro. Flora traduziu o livro durante seu doutorado na Universidade Brown, e a publicação de 2020 foi aclamada, por manter o tom de Machado, e preservar sua elegância e “malandragem”.

Em matéria do Jornal O Globo, Flora afirma que o principal desafio que enfrentou na tradução para o inglês foi manter a sutileza característica de Machado, ao mesmo tempo que tornava o texto inteligível ao público americano. Nem explicar demais, nem explicar de menos. Então, optou por uma edição anotada, que contextualiza a obra.

Uma frase de Courtney que dá o tom desse post é “Eu não consigo nem imaginar o quão bom isso é em português”. Ela, que declara querer aprender o português, para ler o livro no original, mal sabe que aqui há de se penar para conseguir que os jovens leitores leiam os clássicos. Mas a culpa não é dos jovens. Não. Não. Você culparia um motorista jovem que não sabe subir uma ladeira, se ele tirou carteira, sem nunca ter feito aulas de direção? Claro que isso não é possível. Mas na literatura é o que acontece. Infelizmente, o ensino médio determina que seus jovens ganhem a “carteira de leitor fluente” sem terem sido preparados previamente.

Sem dúvida, o vocabulário é anacrônico, com grafias, palavras e gramáticas obsoletas. Mas não é impossível acompanhar o enredo. Na verdade, cada releitura de um livro de Machado de Assis te dá mais e mais “expertise” para acompanhar os clássicos, e saborear a narrativa única deste autor fantástico.

Capa do livro O alienista e a cartomante, de Machado de Assis, com mediação de leitura de Ana Cristina Melo

Incomodada com a dificuldade do 1° contato dos jovens com os textos de Machado é que coloquei em prática uma ideia antiga. Uma edição não apenas comentada, mas com mediação de leitura. Sim, faço a mediação, como se estivesse lendo o texto junto com o leitor. Há o vocabulário, mas há também e, principalmente, o bate-papo sobre passagens do livro, sobre a ideia que o autor quis passar em cada capítulo.

E como considero que a porta de entrada para a obra de Machado de Assis deveriam ser os contos, fiz esta edição dos contos O alienista e A cartomante, com a mediação de leitura que citei. O que tentei fazer nesta edição, publicada pela Editora Bambolê, foi “acostumar” os olhos leitores à gramática e à narrativa de Machado. Se isso é alcançado, qualquer novo texto torna-se legível. Nossa mente, automaticamente, ajusta as frases numa ordem direta, ou troca palavras arcaicas por expressões mais modernas. Depois que isso se torna natural, é mais fácil capturar as sutilezas e a inteligência nas escolhas do autor.

De certa forma é como se Flora tivesse feito isso em alguns momentos, mantendo toda a preciosidade da narrativa do autor, apenas “tornando mais maleável” algumas expressões. Por exemplo, no capítulo 1, quando Machado diz “Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo”, claramente, pelo contexto, entendemos o que ele quis dizer. Perfeitamente, ela traduziu para “Moses, who also recounted his own death, did not put it at the commencement but at the finish”, como faríamos mentalmente, mas sem mudar as escolhas narrativas do autor.

Da mesma forma que não dá para dizer que odiamos um alimento, sem tentar degustá-lo puro, processado e/ou com algum complemento, não podemos odiar os nossos clássicos, sem tentar antes degustá-los de maneiras diferentes. Se depois deste esforço, o leitor preferir apenas os livros fast food, só nos resta torcer para que ele encontre outras formas de garantir sua saúde literária.

Precisamos acostumar nosso “paladar literário”, para ter a chance de degustar os clássicos da literatura brasileira que são tão saudáveis. Então, aproveitem o cardápio vasto que temos, com: José de Alencar, Lima Barreto, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, entre outros.

O próximo prato literário que está sendo mediado por mim é o delicioso “Dom Casmurro”.

 

 

 

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